sexta-feira, 24 de outubro de 2008

Abusos

Transcrevo abaixo uma notícia que já tinha lido noutro jornal e que me deixou revoltada.


Praxes com esterco geram polémica em Évora
23 Outubro, 2008 - 11:47



As praxes praticadas da Universidade de Évora, em que é tradição anual, no Pólo da Mitra, os alunos sujeitarem-se a rastejar em excrementos dos animais, motivaram queixas por parte de alguns alunos e funcionários, e a instauração de um inquérito por parte do reitor Jorge Araújo.António Gualdino, presidente da Associação de Estudantes, afirma, por seu turno, que se trata de um «hábito antigo, que nunca suscitou qualquer queixa por parte dos caloiros, bem pelo contrário».
Porém, o reitor da instituição emitiu um despacho a proibir qualquer acto relacionado com praxes, enquanto que o dirigente estudantil garante que as praxes vão continuar, «nem que seja fora do recinto da universidade», frisando que «esta é uma manifestação cultural que deve ser respeitada».
«Admito que há abusos casuais, mas esses não têm lugar no nosso conceito de praxe, sou contra os excessos, e uma praxe bem feita respeita as pessoas, integra, é esse o objectivo», explicou António Gualdino.
Conforme refere o Diário de Notícias, o presidente da Associação de Estudantes salienta inclusive que «todos os estudantes daquele curso gostam de passar pelo esterco e alguns até no segundo ano pedem para passar por aquilo outra vez», ressalvando que «nunca houve queixas e já é uma tradição».
No entanto, o reitor frisa que o «apelo não foi respeitado e verificaram-se actos de violentação das mais elementares regras de decoro e da higiene», assegurando que «as coisas terão de mudar».



De facto, isto de intitular de tradição algo como o mencionado na notícia é, do meu ponto de vista, no mínimo, ridículo nos dias que correm. Para mim, compara-se precisamente ao que se passa em relação às touradas. No entanto, há uma diferença: os touros não se podem queixar e/ou recusar, as pessoas sim (a não ser que sejam coagidas a participar de algum modo...). As pessoas podem e devem revoltar-se contra este tipo de situações em que são colocadas e que os outros chamam de "integração"! Mas desde quando é que rebolar em bosta nos faz sentir integrados no que quer que seja para além da bosta em si? Pretendem integrar pesssoas ou porcos? (Com todo o respeito que tenho aos porcos que não têm culpa nenhuma...)

De resto, se é verdade que algumas pessoas gostam desta chamada tradição, pois que o façam! Estamos num país livre. Não coloquem é os outros nelas, sobretudo quando os outros são caloiros que ainda nem sabem muito bem como agir perante o mundo que se lhes apresenta ao entrar numa faculdade. Estupidamente talvez, o que acontece é que muitos acabam por "aceitar" fazer certas e determinadas coisas porque se sentem quase chantageados, uma vez que se não alinharem em algumas práticas (ou todas as que os "doutores" pretendam), não serão considerados "boas pessoas", nem poderão participar noutras actividades académicas quanto a mim, bastante mais interessantes (algumas que fazem parte da praxe, outras infelizmente não), nem poderão supostamente usar traje académico.
Se ninguém se revoltar e tomar uma atitude em relação a isto, onde vamos parar?
Por isso, caloiros, não sejam submissos! Aproveitem muito bem as vossas praxes, mas saibam dizer não quando é preciso, mesmo que isso signifique ser colocado de parte pelos chamados "doutores". Até porque pessoas com atitudes pequenas como essas para mim valem muito pouco. Revoltem-se quando a vossa dignidade é colocada em questão, seja na praxe académica, seja na constante praxe que é a vida.
Apoio plenamente o reitor da Universidade de Évora. Bem haja!

2 comentários:

Lua disse...

Pois é caos, como sabes sou a favor da praxe, adorei ser praxada e praxar. E tenho-te a dizer que neste caso e noutros a praxe é voluntária. Ninguém é obrigado a rebolar na bosta. E se há quem o faça voluntariamente então isso é um problema deles. Eu rebolei na relva, mas não na bosta, e se alguém o sugerisse teria muito azar. A participação na praxe é uma decisão pessoal queres ou não queres, fazes ou não fazes. E mesmo participando há obviamente coisas que não se fazem se achas que isso interfere com a tua dignidade. Há oito anos, por esta altura quando me chamavam "A Caloira" porque alinhava e fazia tudo, divertia-me a mim e aos outros houve um dia que disse não. E não fiz, e tive uma discussão com os "engenheiros" à frente de todos, o resultado foi os "engenheiros" admitirem que eu tinha razão e pedirem desculpa. Antes de "doutores", "engenheiros" e "caloiros" somos pessoas. E a praxe é apenas uma representação, o mundo do faz de conta onde se aprende de facto como o mundo funciona. Começas na merda e só ao fim de algum tempo estas do outro lado da barricada. A praxe ensina para a vida, a praxe integra e a praxe é divertida. Se há quem ache que rebolar na merda é bom e divertido o que é que podemos fazer???

caos disse...

Concordo contigo quando dizes que a praxe é voluntária. Houve coisas que fiz na praxe que gostei muito, outras que detestei... Nesse aspecto fui um bocado ingénua e senti-me "obrigada". Mas de qualquer modo, continuo a achar que não se devia submeter as pessoas a determinadas circunstâncias, como a mencionada na notícia. Qual o objectivo?